segunda-feira, 31 de março de 2008

Ouço e calo

Voltavamos nós, outra vez, para as mesas e as cadeiras, e os quadros de jiz. Fui a pé para a escola. Passaram por mim tantas vidas, tantas almas, tantas coisas e animais e cheiros. Só me lembro levemente de uma rapariga linda que vi depois de sair da estação. Nada mais me sai. Só pensava na estupidez de ter gasto o dinheiro. Precisava de tabaco. Agora teria que esperar, para ganhar uns trocados. Estava com dor de cabeça. Não sei o que se passa comigo, mas não interessa. Descubri os calmantes da minha mãe. Bela e doce tentação. Estou à espera de oportunidade para lhes deitar a mão. Queria ouvir música, mas tinha-me esquecido do MP3 na casa da Deb (estive lá até à noitinha, e nem me lembrei). Enfim, clima perfeito.
Cheguei à escola, e encontrei logo uma companheira de mesa na sala de aula. Optimo. Pus o meu melhor sorriso plástico e cumprimentei-a com palavras mansas. Gosto dela, é boa pessoa. Mas apetecia-me mais estar em casa. Soava-me na cabeça uma música do Yann Tiersen. Nada daquilo fazia sentido.
Vi a Raquel. Voltei outra vez ao meu estado. Não queria acreditar. Até parecia que estava apaixonada. Ahah, e eram só sininhos e borbuletas e isto e aquilo. Soltou-se uma lágrima. Merda. Dizia asneiras mentalmente. E saber que aquele sorriso que me asfixia podia ser meu. Não, não. Não deveria sequer ser meu. Imagens minhas e dela, deitadas num qualquer sitio. AH, queria tanto. Mas não. Uma fonte de pensamentos mórbidos fazia sentir na minha cabeça. Dores de cabeça. Nada justificava aquilo. Odiava-a, naquele momento. Não me saia da cabeça. E morri quando a porta se abriu, e o sol entrou, e penetrou na Iris. E assim, acordei. Acordei do sono que a vida me dá.


Adriana Matos

quarta-feira, 26 de março de 2008

Relato da minha Páscoa

Sexta-feira era o dia em que ia para a minha terra. Acordei indisposta, com dores de barriga. Não queria sair de casa, era demasiada a dor para me levantar. Piorou depois do almoço, e logo quando íamos pôr-nos a caminho. Mesmo assim, pegou-se nas trouxas e fizemo-nos à estrada. Continuava a doer mais e mais. Já tinha tomado um Aspegic, mas pedi à minha mãe para parar numa Farmácia para comprar outra coisa qualquer. Tomei mais dois Moment 200, e estava pior. Parámos. Estava cheia de claustrofobia. Saí do carro, olhei para ver onde estava. Numa ponte. Debrucei-me sobre ela para lhe ver a fundura. Era tão grande o desejo de lá estar projectada em baixo. Mas fui cobarde, tão cobarde. Deitei-me antes no asfalto. Comia-me as entranhas, não sei quem. Tivemos que voltar para o carro. E a mim doía-me tanto. Pedia constantemente à minha mãe para me fazer massagens, melhorava um pouco assim. Os meus pais quiseram ir a Fátima. Tudo bem, já não queria saber. Ao chegarmos lá, melhorei. O porquê deste melhoramento repentino, deixo ao vosso critério. Fomos ver a nova catedral. Chorei um pouco quando lá cheguei. Era incrível, tão incrível, aquela gente estar toda lá movida pela Fé. Olhava de soslaio para os outros, imaginando-lhes a vida e senti-me futilizada. Estariam quantos, mas quantos, quantos, com vidas tão piores que a minha? Pedi desculpa, mentalmente, a quem quer que fosse pois passo a vida a queixar-me de nada. Depois fomos comprar umas velas, os meus pais queriam pô-las a arder. Pronto, tudo bem. Fizeram o que tinham a fazer e depois fomos embora. Ainda tínhamos umas horas de viagem pela frente. Mas fez-se bem. Eu já não me queixava, o meu irmão já dormitava, e tudo para dentro se pensava. Enfim.
Depois de tanto andar, chegámos à minha terra (Lameiras) e já se sabe como são os avós: Lambem-nos e espremem-nos até deitar sumo. Foram feitas as perguntas de sempre: -"Está tudo bem contigo?"; -"As notas vão boas?"; -"Tens sido boa menina?"; -"E namorados?". Devo confessar que algumas respostas não foram as que se queriam ouvir, obviamente. E sussurrei alguns nomes que agora me parecem feios e maus. Já era tarde, fui ter com os meus tios e primos, onde ia dormir, e lá foram feitas as mesmas perguntas, ditas as mesmas respostas e sussurrados os mesmos palavrões. Falei com a minha prima sobre as novidades, e dormi.
No Sábado, estava frio. Queria ir dar um passeio, ir até aos moinhos (dos sítios que mais amo, onde a minha alma parece descansar) mas tal não me foi possível. É pena, mas não faltarão oportunidades. Almocei e jantei, como um zombie no mundo dos vivos. E por volta da uma da manhã, decidi dormir.
No Domingo, dia de grande pompa e circunstância naquela aldeia, tive que acordar por volta das nove e tal para tomar banho e me preparar para a missa (foi uma grande discussão, tentar dizer que não queria ir, em vão). Depois vim a saber, que para além da missa, havia também uma procissão. Esta começou antes da própria missa. Começou então a mesma. Notei que as minhas passadas estavam completamente descordenadas das dos outros. Não era o meu mundo. A minha avó agarrava com força a minha mão e ia-me puxando. Eu estava ali tal e qual um fantoche. Sim, era mesmo assim que me sentia, um fantoche. Nada daquilo tinha a ver comigo, e tenho a certeza absoluta, que nada tinha a ver com muitos outros que ali estavam. Depois a missa, depois daquilo estava pronta para dormir. Mas seguiu-se o almoço. Não comia praticamente nada do que estava na mesa, a minha comida era feita à parte (Vegan). Uma senhora que também tinha ido almoçar, deu-me 5€, tal como a minha avó. Acabou portanto o almoço e eu tinha 10€ no bolso, nada mau. Íamos depois embora. Começamos as despedidas. -"Porta-te bem" era o que me diziam. Só pensava -"Querias tu!". Fomos à terra do meu pai, só para fazer de conta que a família é unida e feliz. Acabamos por ficar lá a jantar, depois levaríamos o meu primo. Foi a sorte dele! Convidaram-me, para o ano, ir para a borga com os meus primos. Talvez. Para o ano, se verá.

Adeus,
Já não tenho forças para escrever mais,
e apetece-me ler Florbela,


Adriana Matos.

quarta-feira, 19 de março de 2008




Hoje não há título. Hoje não há texto, nem sentimentos. Hoje não há sol. Hoje não há eu, nem tu, e muito menos, nós. Hoje não nasci, nem morri, nem sequer vivi. Não acordei nem adormeci. Não. Hoje não. Hoje apenas há vento em mim. Apenas. Hoje não me vejo, como sempre.


PS: Claro, vi a Raquel. Hoje. E transparente continuei.


Adriana Matos.

terça-feira, 18 de março de 2008

Destinos

Estive à tempos (na altura das aulas) com a Raquel. Não a Raquel, mas a Raquel, amiga desde que me conheço. Contámos muitas coisas nesse dia. Ela estava muito feliz, as coisas corriam bem com o namorado. E eu, sozinha, afirmava sempre que também estava óptima. Não sei se é uma grande verdade, mas serve para deixar os outros descansados. Começou a mexer-me na mala, (o coração bateu tão forte nesse momento) e sentiu na mão uma caixa de cartão. Olhou para mim, já sabia o que era, procurou o bolso e pegou naquele maço de tabaco que tanto me tinha passeado, olhou para mim de novo, e apenas disse "Queres ver prazer?". Dobrou aquilo, dobrou e torceu, até ter a certeza que aquilo já não dava para nada. Fiquei ali, a pedir-lhe para não fazer aquilo, mas com ar de morta, e a sentir-me como tal. Reparei que lhe tinha caído uma lágrima de cada olho, e isso foi o pior. Fiz-me de forte, como sempre, e mudei logo de assunto, estivemos mais uns minutos juntas. Ela teve que ir buscar lenços, disse que estava "ranhosa". Fui com ela. Pouco depois, tocou para a entrada e ela foi ter com o namorado. Fui para as bancadas em frente ao nada, e chorei. Sentia que tinha desiludido toda a gente, que era um trapo, um nada, um nojo. Estava suja por dentro, tão que estava com raiva e nojo de mim mesma. Odiava pertencer ao meu corpo, naqueles minutos que foram um século. A Raquel sempre foi das pessoas que me chamou à razão, e por isso é que chorava. Ela tinha sempre a razão do lado dela, e eu apenas era uma zombie, a fazer tudo o proibido, tudo o que não se deve. Sempre me disse que se começava com pouco, disse-me isso quando comecei a beber e, agora, voltara a pensá-lo, voltara a pensar que era uma desilusão. Desta vez, foi melhor, porque me avisou a tempo. Mas terá sido no momento certo? Cada um terá opinião quanto a isso. Muitos não se mostraram interessados em minha pessoa e no meu estado, mas ela sim, preocupou-se imenso e foi tão estranho que ainda me está na cabeça. E na dela também.
Adriana Matos.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Cai-me tudo, até a vontade

Caiu-me tudo. Caíram as peneiras, as cagamerdeiras, as falsas roupas, as cores, as flores. Caiu medo por mim abaixo, como me caiu logo de seguida a sombra. O sol bate na janela, seco. Arranca de mim a luz interior que nunca existiu nem existirá. Expectativas criam-se à volta das palavras. Lá está ele, de novo, tentando fazer-me pensar negativo. Agarra-me à força, suga-me o amor, e traz em abundância toda a tristeza do dia. O sol debota-me a camisola. A paixão torna-se tão pequena! Como é possível meter um sentimento dentro de um objecto? Não faz sentido. O que faz sentido agora? Nada. Apenas a esquerda sobra para o caminho. Destra, não conseguirá nunca os dois lados da vida. Nada faz sentido. Apenas mexeriquiçes no meio do nada imenso se conservam. Mas afinal, que é isto? Que pensamentos foram revelados aqui? Quantas letras foram gastas, quantas palavras foram mentalmente escritas, quantos sonhos ficaram na cabeça?
Uma pequena nódoa no cérebro, para complexidade da simples vida.


Adriana Matos.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Página de Diário I

Maggie Taylor.



06.03.2008



"Lá lhe passou a mão pela vontade, ainda que a medo, e sorriu delicadamente para a que dizia ser a sua flor mais bela. Quando suas mãos tocaram nos cabelos dela, o calor subiu não sabe bem para onde. A vontade de um beijo, apenas um, era tão forte quanto aquele momento e aquelas vidas. E ali estavam, qual conto num livro, expostos à maré que as quisesse levar. Quem diria que o destino acabaria por juntar na mesma jarra duas flores de espinhos!
Com a alma cheia de amor por ela, rapariga de extremos pouco lúcidos, agarrou-se a ela. O momento durou uns segundos, mas toda a sua vida por ali passou e por ali ficou. Quando a noite a chamou, ela despediu-se e foi-se embora. Já longe dela, percebeu que se lhe esquecera de pedir a vida.
Uma lágrima caiu sobre a cama, mas pouco tempo depois secou.
Nunca mais a voltaria a ver, desse por onde desse."





Obviamente, tudo o que escrevi passou-se e ficou-se na cabeça.


Nada aconteceu. Nem sequer a vontade de tal acontecer.


E é assim, terapias de palavras que apenas magoam, mas têm que magoar. Masoquistas, dizem uns!



Adriana Matos.

domingo, 9 de março de 2008

Sinais

Gostava que soubesses a maré.
Gostava que tivesses a cor acastanhada da terra, aquela que só vemos quando somos pequeninos.
Gostava que tudo fosse amarelo debotado, e que tu fosses simplesmente alguém.
Não, o problema não és tu. Sou eu que te vi com olhos de quem vê mais do que o que está à frente, fui eu que fervilhei quão bule cheio de chá.
Gostava também, já agora, que a vida fosse mais simples, e soubesse a mentol.
Adriana Matos.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Palavras ao Rebentar das ondas

Hoje caminhei até ti mas arrependi-me. Tentei chegar mais perto para sentir o teu cheiro, mas não fui perto o suficiente para tal. Sabia que quando deixasse de ter o teu aroma, morreria por ter voltado a mim. Pena. Pena de não conseguir arrancar-te o coração plastificado. Pena de não conseguir tirar-te sequer um sorriso. Sim, tenho pena. E apesar de tudo, pena de ti, por ser eu a gostar.
E saudade, tanta saudade é de não poder roubar-te. Quão grande a vontade de te ter em mim. Grande sensação esta, de não ter nada mais que um vazio lunar.
Obrigada, querida Raquel, por me fazeres tanto chorar, como gostar.
Obrigada, estupida Raquel, pois isso ainda me faz mais achar-te uma piada doida que tu não tens.
Mas deixo para depois. Deixo para depois o que deveria ser falado agora.
Adriana Matos