terça-feira, 29 de abril de 2008

Canção

Conto os dias para me perder no mar de flores

Onde meus dias são azuis-mar

E minhas mãos são de brincar

Conto os segundos para me perder de amores!

-

Deixo o mundo pensar em ti, às cores

Canto-te ao ouvido, e beijo-te

E ao adormeceres, vejo-te e toco-te

Coro e choro e morro, ai de mim, minhas dores.

-

Forro o chão de búzios do mar

Teu véu cai em mim, e ao amainar

Encontro em ti quase felicidade.

-

Soro de teu ser é amar

E quando de mim acordar

Pétalas de flor murcha em tenra idade!

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Hoje,quarta-feira, faz uma semana

Chego a casa. Algo me diz que nada está bem, tinha andado a dormir mal e tinha a sensação que algo estava errado. Abro o portão. Comigo, carrego pesos de algo que agora me parecem transparentes e insignificantes. Vou à cozinha. Chamo pela minha mãe e o meu pai, mas ninguém diz nada. Vou ao quarto do meu irmão. A cama, que normalmente estava a meio do quarto, esta quase à janela. Os brinquedos, esses, estavam todos partidos. O coração começou a bater demasiado rápido para mim. Saí. Fui à "churrasqueira".
O que tinha defronte aos meus olhos era o passado, era impossível. A minha mãe estava deitada no sofá antigo, e o meu pai punha-lhe remédio para as feridas.
-Que aconteceu? - Foi o que me saiu, tinha a boca seca.
-Nada, foi um acidente de carro... – Dizia a besta que haveria um dia chamado pai.
Não, não tinha sido e eu sabia-o. Fui a casa. Agora, o meu coração batia mais que o permitido, saindo-me quase pela boca. Agarrei no telemóvel e sai porta fora. Corri. Ouvia, já longe, as vozes dos meus pais a dizerem para voltar. Isto era impossível.
À medida que corria até alguém que me ajudasse, a boca secava, tentava produzir saliva, mas tudo batia mal em mim.
Pedi ajuda às pessoas que mais perto de mim estavam, e também eram as mais minhas queridas, e liguei para o 112. Enquanto pedia policia, vi o meu pai passar com o carro. Ia à minha procura, mas agora já era tarde demais para ele. Agora, já tinha feito o que era certo e ele não repetiria a proeza de à 10 anos atrás.
Voltei para casa. A minha mãe dizia-me "O que foste fazer, filha? Não o devias ter feito". Gritava-lhe eu dizendo que a policia vinha aí, que ele, pai apenas de sangue, era a pessoa que mais odiava, que era um monte de merda e que esperava que ele se tivesse ido matar.
A minha mãe chorava, e eu com ela.
Pouco depois, a policia tinha chegado. Incrivelmente, chegou ao mesmo tempo que ele.
Depois disso, o meu pai falou com a polícia, eu falei com a polícia e a minha mãe falou com a polícia. Não verti uma lágrima à sua frente, não merecia. Não merecia nada, nem nunca.
Uma das orelhas da minha mãe sangrava imenso. Tinha nódoas negras em cima do nariz, nos olhos, em cima e por baixo do lábio. Vim perceber depois, já lá irei, que eram inúmeras as que tinha nas outras partes de seu corpo.
A polícia resolveu chamar uma ambulância, estava a olhos vistos que a minha mãe precisava de ir ao hospital, mas ela só me dizia "Que vergonha, Adriana".
Eu, que à anos que tentava perceber aquilo, via-me a reviver de novo o mesmo filme. O meu coração, pequeno demais, não conseguia compreender que tipo de dor sentia no momento.
A minha mãe foi para o hospital. Eu arranjei com quem ir. O meu pai ficou em casa. Desejei que se fosse matar. Pensei, que chegaria a casa e já não haveria pai, nem dor, nem coisas más.
A minha mãe entrou com Alerta Amarelo para o Hospital Amadora-Sintra. Saiu de lá, apenas com um penso e quatro pontos na orelha, e um papel.
Chegadas a casa, reparei como tudo era vazio. Nada naquele sítio me fazia sentir coisas boas. Nada naquele sítio me trazia recordações alegres, como as outras crianças tinham das suas casas. Foi naquele momento, naquele preciso momento, que me dei conta de que era um mísera formiga no meio de uma rede enorme.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que o meu pai bateu na minha mãe.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que cresci mais um centímetro na distância de adolescente-mulher.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que não durmo uma noite inteira.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que tudo se mistura na minha cabeça com comprimidos e algo mais.
Hoje faz uma semana que perdi a vontade de ser feliz.
Adriana Matos.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O mundo vestido de rosas brancas

Em teus olhos via-se toda a beleza do mundo
Quem me dera ser eu a senti-la!
Alegro, felicidade, um copo de tequila
Brancas rosas viam-se no fundo

Corações abertos, paixão me mate
Quem me dera tê-los!
E sem os sentir, sabê-los
Que bate sem saber porque bate

Palmas ao vento! Palmas!
Grande espectáculo este!
Belas brancas rosas que me deste!

Depois do pano ter baixado
Da se ter alagado a peste
Belas maçãs de rosto me ofereceste!

Adriana Matos.

sábado, 12 de abril de 2008

Desculpas, informalmente

Hoje já escrevi imensas coisas que queria dizer aqui.
Talvez por a minha cabeça estar uma confusão não me conseguir decidir sobre nada.
Mas sei, porque sim, que o lado mau das coisas já não me parece tão mau. Talvez por ter esquecido de novo que posso ser sóbria quando quero.
Aqui, hoje e agora, peço desculpa por ser assim.
Assim nasci, assim vivo, e assim morrerei.
Para o pessoal que sempre me viu como amiga apesar das controvérsias, um abraço do tamanho de uma garrafa de Whisky.
E mais uma vez, desculpa.


Sinto necessidade de relembrar esta música.

Linda Martini – O amor é não Haver Policia

"Sentimos no ar a melodia etérea. É a nossa música.
Cantamos e dançamos como se fosse a última vez, o último olhar, o último toque, o último beijo.
Estás linda.
O teu vestido, da cor do vinho que enche os copos, aquece o chão que pisas e relembra a razão. Todas as razões.
Diz-lhe para parar aqui. Eu queria tanto parar aqui.
Os olhos param em ti e em mim, enquanto preenchemos o espaço vazio, impossível de preencher por alguém que não nós. Não pedimos o fim, mas não nos importamos se acabar assim.
Diz-lhe para parar aqui. Eu queria tanto parar aqui. O mundo é grande e em todo o lado se vive. Diz-lhe para parar aqui, vivemos em caixas de fósforos. Não sopres. Se as mãos pudessem dizer por mim.
Eu queria tanto parar aqui.
Pára."


Tenho tudo dito por agora, nada de poesia bonita e falsa, nada de bonito. O mundo é uma caixa e eu estou com claustrofobia, é só isso.

Adriana Matos

terça-feira, 8 de abril de 2008

Cansaço

Do céu caiem, de tempos a tempos, lágrimas que sei que já foram minhas. Tento agarrá-las, consumi-las. Quem me dirá, que não estarão a enviar nesta chuva mensagens de outrora? Tenho sede dos oceanos que nunca provarei. Tudo à volta é seco, embora húmido. Tudo é cinzento com leves tons de azul. O corpo manifesta-se com dores que em lado nenhum estão, nem estiveram, e tenta falar por mim. O calor que antes sentira, hoje não sinto mais. Responde-me sei lá quem e sei lá porquê, que tudo em mim é podre e pobre. Diz-me a Inteligência que sou fracasso e preguiça de viver. Contudo, é o Pensamento que me fala mais vezes ao ouvido, não me deixando em conforto comigo, não querendo a minha alegria. As lágrimas que chorei e que já secaram, não as contei. Nunca as contei. Os sonhos que tive, já os perdi de vista. À quanto tempo? A recordação, essa, é algo que vejo lá longe, como daqui ao sol. E tudo em mim parece não desenvolver, tudo parece não brilhar. Talvez por este baço nevoeiro. Talvez por este nevoeiro imenso que não me deixa ver para além dos meus próprios pés. Ou quem sabe, se por ser eu mesma a falar em vez de mim. Quantos sonhos em flor deixei eu de regar! Quantas amargas e tristes histórias contei eu, eu!, que me tratei sempre como terceira pessoa! Quem saberá que tantas histórias contei? Quem saberá que todas elas eram minhas? Minha e tuas, minhas e de outros personagens que eu não criei, mas vi! Quem? Como?
Adriana Matos.

sábado, 5 de abril de 2008

Canções em papel

O copo estava vazio. Já o teria levado quantas vezes à boca? Quantas e quantas vezes já bebera o mesmo líquido naquele copo cheio de amargura? Era catastrófica a maneira como vivia a sua vida. Sem interesse, sem bons momentos, sem felizes contrariedades, sem tanta coisa! O sol, que hoje já não lhe tocava na pele, fazia-a parecer sem nenhum tipo de brilho. Estava tão cheia de ódio. O seu pai voltara a dizer o mesmo. "Tão vaca é a mãe como a filha". Como? Aquelas palavras ecoavam na sua cabeça, e faziam-na desejar não ouvir mais nada, nunca mais. Tapou os ouvidos, tentando não ouvir mais as palavras que vinham da sua consciência, fosse lá isso o que fosse. Doía-lhe a cabeça. Agora as frases eram gritadas por a voz familiar de seu pai. Uma nuvem tapou o sol, que tentava penetrar no seu quarto, agora tão cheio de vazio que não a deixava dormir. Voltou a encher o copo. Em quantos já iria? As lágrimas cobriam-lhe já a cara, como um lençol de água, quando o seu pai entrou. Os olhos vermelhos saíam das órbitas, qual cão enfurecido.
-Tudo isto é culpa tua! Tudo isto foste tu que criaste!
-Não interessas.
Mais uma vez, levou à boca a garrafa que tinha a seu lado. O pai olhava-a com estranha pena. Que interessava? Nada. Cuspiu-lhe na cara. Depois, fez-se tudo névoa. Percebeu então, que apesar de tudo, era o reflexo do mal amor que lhe deram, era a ovelha mais escura do seu rebanho. Já não queria saber. Acabou com a garrafeira, e caiu para nunca mais se levantar. Tudo o resto, já teria à muito ficado para trás das costas.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Relato de Infância

Acordou com um estrondo. Que seria? Tinha medo que fossem "os maus" que lhe tivessem invadido outra vez a casa. Ficou na cama, tinha tanto medo. Outro estrondo. Vários gritos se sucederam. Eram os pais a gritar um com o outro. Levantou-se devagarinho, agora tinha ainda mais medo que antes. Foi à casa-de-banho. Ficou petrificada, escandalizada e profundamente triste. A sua mãe estava junto à banheira, com um braço apoiado na mesma e o outro a segurar num dente. Teriam sido os maus? Porque estaria o pai a gritar tanto? E a mãe, será que lhe tinha caído um dente? Então teria uma prenda da Fada Dentinho... Mas porque estaria ela a sangrar tanto? Paralisou à frente da mãe, ao lado da porta da Casa-de-banho.
-Mãe, que aconteceu?
-Nada, vamos embora daqui.
Porquê? Tinham acabado de se mudar para aquela casa, construída pelo pai. Não cabia na cabeça de uma menina de 4 anos compreender tudo tão cedo.
A mãe agarrou-lhe no braço e levou-a para o quarto de casal. Trancou a porta. Começou a fazer as malas. O pai batia na porta com toda a força. Dizia palavrões.
-Porque é que o pai está tão zangado?
-Porque é um cabrão! VAI-TE EMBORA DAQUI!
-Posso levar os meus bonecos, mamã?
-Claro..
Ao menos isso. A mãe sangrava da boca, ainda. A camisola estava já manchada pela dor e a agonia que só uns anos depois a criança compreendeu bem.
A mãe abriu a porta. O pai estava manchado com o sangue da mulher. Porque estaria tudo aquilo a acontecer? Será que o pai ou a mãe teriam feito alguma coisa mal? Seria por sua causa?
- Onde estão as chaves, caralho?
-Não penses que te vais embora assim.
-Dá-me as chaves!
-Nem penses!
-Então saímos pela janela.
Ele dá-lhe uma estalada. A mãe deveria ter feito algo muito mau... Mas o quê?
-Não sais, digo-te.
E depois, tudo se lhe apagou, nada mais lhe é dado pelas páginas amarelas da memória.
Anos depois, a imagem continuava nítida. Ainda mais nítida, agora já percebia tudo. O pai, que nunca tinha sido para ela um pai, tinha problemas. Tinha batido à sua mãe apenas porque sim. E nunca, mas nunca, lhe perdoaria por aqueles momentos de agonia profunda que hoje ainda, provocam arrepios e choros e dores à eterna menina.
Adriana Matos.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Nevoeiro


Adriana Matos. Fumo


Estava à tua espera. Já sabia que não vinhas mas tinha que esperar. Era isso que me mantinha viva, era o que me fazia respirar. Tudo rondava à tua volta, porque tu eras tudo.
Sai à rua, queria beber alguma coisa que me deixasse melhor. Comprei um vinho do bom e fui com ele para um campo de girassóis que ali havia. Senti que estava no melhor sítio do Mundo. E nem precisava de ti... Tudo ali me envolvia, e eu era a única que estava contra ao sol. Tudo ficou subitamente lindo, alegre e colorido. Nas veias corriam-me multiplas flores e vários cheiros. Estava ali tão bem! O vinho já tinha ido, já era passado, e prendia-me ao Whisky que tinha na minha mala. Ahah, quantos sonhos ali estariam! Meus e teus, e nossos nunca! Deitei-me naquele mar imenso de amarelo, e sorri. O dia estava lindo e tudo o era também. O sol queimava-me a Iris, portanto fechei os olhos. Não tardei a adormeçer. Quando acordei, a lua já ir alta e as horas já não eram as mesmas. Já tinha tudo voltado a ser cinzento. Não faz mal. Tinha algo que um amigo me tinha dado, apesar de o estar a tentar guardar. "Só um pouco não faz mal". Comecei a inalar, tão branca linha de beleza, e perdi-me nela. Tão depressa era noite como depois era dia, tão depressa era uma linha como três. Bem-feita por não vires ter comigo. Chorei de tanto rir de tão maluca que estava e era. Lembrei-me, tinha que voltar para casa. Podias estar à minha espera! A cambalear, fui para casa, mecanicamente. Quando abri a porta nem reparei. Só depois, já sóbria de novo, vi o teu bilhete: "Não esperes mais por mim". Fui até ao quinto andar e parti. E nada é real.
Adriana Matos.