quarta-feira, 23 de abril de 2008

Hoje,quarta-feira, faz uma semana

Chego a casa. Algo me diz que nada está bem, tinha andado a dormir mal e tinha a sensação que algo estava errado. Abro o portão. Comigo, carrego pesos de algo que agora me parecem transparentes e insignificantes. Vou à cozinha. Chamo pela minha mãe e o meu pai, mas ninguém diz nada. Vou ao quarto do meu irmão. A cama, que normalmente estava a meio do quarto, esta quase à janela. Os brinquedos, esses, estavam todos partidos. O coração começou a bater demasiado rápido para mim. Saí. Fui à "churrasqueira".
O que tinha defronte aos meus olhos era o passado, era impossível. A minha mãe estava deitada no sofá antigo, e o meu pai punha-lhe remédio para as feridas.
-Que aconteceu? - Foi o que me saiu, tinha a boca seca.
-Nada, foi um acidente de carro... – Dizia a besta que haveria um dia chamado pai.
Não, não tinha sido e eu sabia-o. Fui a casa. Agora, o meu coração batia mais que o permitido, saindo-me quase pela boca. Agarrei no telemóvel e sai porta fora. Corri. Ouvia, já longe, as vozes dos meus pais a dizerem para voltar. Isto era impossível.
À medida que corria até alguém que me ajudasse, a boca secava, tentava produzir saliva, mas tudo batia mal em mim.
Pedi ajuda às pessoas que mais perto de mim estavam, e também eram as mais minhas queridas, e liguei para o 112. Enquanto pedia policia, vi o meu pai passar com o carro. Ia à minha procura, mas agora já era tarde demais para ele. Agora, já tinha feito o que era certo e ele não repetiria a proeza de à 10 anos atrás.
Voltei para casa. A minha mãe dizia-me "O que foste fazer, filha? Não o devias ter feito". Gritava-lhe eu dizendo que a policia vinha aí, que ele, pai apenas de sangue, era a pessoa que mais odiava, que era um monte de merda e que esperava que ele se tivesse ido matar.
A minha mãe chorava, e eu com ela.
Pouco depois, a policia tinha chegado. Incrivelmente, chegou ao mesmo tempo que ele.
Depois disso, o meu pai falou com a polícia, eu falei com a polícia e a minha mãe falou com a polícia. Não verti uma lágrima à sua frente, não merecia. Não merecia nada, nem nunca.
Uma das orelhas da minha mãe sangrava imenso. Tinha nódoas negras em cima do nariz, nos olhos, em cima e por baixo do lábio. Vim perceber depois, já lá irei, que eram inúmeras as que tinha nas outras partes de seu corpo.
A polícia resolveu chamar uma ambulância, estava a olhos vistos que a minha mãe precisava de ir ao hospital, mas ela só me dizia "Que vergonha, Adriana".
Eu, que à anos que tentava perceber aquilo, via-me a reviver de novo o mesmo filme. O meu coração, pequeno demais, não conseguia compreender que tipo de dor sentia no momento.
A minha mãe foi para o hospital. Eu arranjei com quem ir. O meu pai ficou em casa. Desejei que se fosse matar. Pensei, que chegaria a casa e já não haveria pai, nem dor, nem coisas más.
A minha mãe entrou com Alerta Amarelo para o Hospital Amadora-Sintra. Saiu de lá, apenas com um penso e quatro pontos na orelha, e um papel.
Chegadas a casa, reparei como tudo era vazio. Nada naquele sítio me fazia sentir coisas boas. Nada naquele sítio me trazia recordações alegres, como as outras crianças tinham das suas casas. Foi naquele momento, naquele preciso momento, que me dei conta de que era um mísera formiga no meio de uma rede enorme.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que o meu pai bateu na minha mãe.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que cresci mais um centímetro na distância de adolescente-mulher.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que não durmo uma noite inteira.
Hoje, quarta-feira, faz uma semana que tudo se mistura na minha cabeça com comprimidos e algo mais.
Hoje faz uma semana que perdi a vontade de ser feliz.
Adriana Matos.

4 comentários:

Anónimo disse...

O problema destes textos é que nunca se percebe se é verdade ou não.
Mesmo apesar de estar muito giro, uma pessoa fica sempre na dúvida e depois não sabe o que dizer.

Anónimo disse...

Apesar de estar incrivelmente bem escrito, espero, espero mesmo, que esta história seja apenas uma bonita (de que de bonito não tem nd, apenas a forma como escreves) históra e nada mais. Se for verdade, ou se pelo menos estiver inspirado em algo verdadeiro, então não sei o que dizer. Acho qu eé demasiado monstruoso para ser verdade...
Mas olha os meus sinceros parbéns pelo bonito blog, já vi que gostas escrever o que te vai na alma, e fazes bem acho que te dve ajudar, a ultrapassar os momentos dificeis e a viver os momentos bons.
Tens sem dúvida jeito pa coisa, talvez até tenhas futuro! Por hj termino por aqui o meu longo testamento. Boas férias!!
Ah e sê feliz pq ainda és demasiado nova para pensar em tristezas, solidão, culpa etc... Vais ver que tudo corre bem

Xau, beijinhos, diverte-te

Da tua colega esquisita,

Cláudia Silva

Purple disse...

Dri, Eu tenho um Orgulho Enorme em ti . <3

"Género de Coisas" disse...

Adri...! Bem, nem sei o que dizer! :o
O texto está muito bem escrito!
Qt ao conteúdo, ... a vida tem destas coisas e, regra geral, acontecem a quem menos as merece...
Pf, não vivas num mundo de tristeza e culpa... tenta ao máximo (eu sei q por vezes é dificil), fazer das lágrimas sorrisos e crescer, ainda mais, com estas coisas. Mantém sempre "cabeça erguida, olhar a direito"... ;)
Desejo-te tudo de bom! Msm td!

Rita